O Ministério Público abriu investigação após avaliar o relatório da comissão independente, constituída para investigar as suspeitas de assédio no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) que envolviam Boaventura Sousa Santos e o seu assistente Bruno Sena Martins e que concluiu que houve “padrões de conduta de abuso de poder e assédio”.
Ao jornal Expresso, o MP confirmou a abertura do inquérito após analise deste documento de uma carta enviada pelo colectivo de vítimas.
“Sobre a matéria, o Ministério Público recebeu o relatório da comissão independente do CES e uma carta do colectivo de vítimas. Estes dois documentos, após análise, deram origem a um inquérito que se encontra em investigação no Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra”, refere o MP numa curta nota após ter sido questionado.
Quase há um mês, o relatório chegou ao MP, no entanto, a abertura de investigação não foi imediata devido à necessidade de avaliar os crimes em causa. “Como se trata de um crime semipúblico, obriga a uma queixa por parte das vítimas”, explicou na altura fonte judicial. Só depois o MP pode abrir uma investigação.
Há um ano surgiram as suspeitas de má conduta sexual e assédio laboral, após a publicação de um texto assinado por três investigadoras de pós-doutoramento e estudantes de doutoramento cujo único ponto em comum no currículo era o CES.
Foi evidente que o principal acusado era Boaventura Sousa Santos, e o próprio admitiu que o texto era sobre si. Agora, a comissão independente concluiu que houve “padrões de conduta de abuso de poder e assédio”. Nas 114 páginas, os nomes de Boaventura ou do assistente nunca são referidos.
“Da análise de toda a informação reunida, bem como das versões entre as pessoas denunciantes e pessoas denunciadas, que foram compatíveis entre si, indiciam padrões de conduta de abuso de poder e assédio por parte de algumas pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia do CES”, pode ler-se nas conclusões.
O CES pediu desculpa às vítimas e Boaventura, em comunicado, defendeu que não há “acusações diretas”: “Pessoalmente, estou mais tranquilo do que estava há um ano.”
O relatório dá conta de 32 denunciantes, a maioria do género feminino (78%) e estudantes de doutoramento ou investigadoras (57%). Há 14 pessoas denunciadas, com diferentes graus de envolvimento: “responsabilidade da prática do ato”, “tentativa de encobrimento” e “negligência”. Em 27% dos casos trata-se de situações de cariz sexual (8% abusos e 19% assédio), tendo sido consideradas “assédio moral” 28% das queixas e 27% “abuso de poder”.
Alguns dos relatos são de “toques indesejados em partes do corpo como coxas, nádegas e zonas genitais” ou “relações sexuais com pessoas em posições hierárquicas inferiores enquanto estas se encontravam sob efeito de substâncias (ex.: álcool) e sem condições plenas para prestar consentimento livre e esclarecido”. Há denúncias de “contacto corporal não autorizado e desadequado”, “beijos húmidos e demorados” e “propostas de relações íntimas, sugerindo ou não ganhos secundários”.
in Expresso