Caso destituição do PR serviu como barómetro da maturidade do jogo democrático – Faustino Henrique
Caso destituição do PR serviu como barómetro da maturidade do jogo democrático - Faustino Henrique
Jlooo

A democracia, nos tempos modernos, reforçada com o rule of Law, além de ser das práticas menos más, quando comparadas com as outras aparentemente piores, acaba, sempre, por vencer. Basta que as pessoas acreditem nos fundamentos que a sustentam, não importa se no hemisfério Norte ou Sul.

Passou para a história a tentativa de destituição do Presidente da República, despoletada pela UNITA, que gerou as mais variadas reacções, mas que serviu, em certa medida, como barómetro da maturidade do jogo democrático.

O facto de se ter dado entrada, do referido procedimento, à Assembleia Nacional, de ter sido levado à discussão e, independentemente dos contornos e desfecho, ganhou alguma relevância o benefício da dúvida, sendo mais um passo no processo de amadurecimento da nossa democracia.

Algumas vozes, antecipando-se aos factos, chamaram todos os nomes à iniciativa, ridicularizaram os proponentes, cuja base parlamentar não passa de pouco mais de um terço dos deputados quando, para a efectivação da iniciativa, precisariam da subscrição de deputados do partido no poder, uma realidade que, por si só abeirava, a algum aventureirismo político.

Mas, o jogo político em democracia, quando envolve as ferramentas previstas na lei, desemboca, com a criação de factos políticos, reais ou imaginários, oportunos ou inoportunos, neste tipo de actos, plenamente normais.

Há quem tenha chamado de “disparate” a iniciativa da UNITA, quando o razoável seria esperar que se esgotassem todos os contornos que, como se sabia, iriam sempre acabar por esbarrar na maioria parlamentar que o MPLA possui e que, para casos como estes, acabam por servir como o diferen cial proporcional estratégico no equilíbrio de forças.

Aqui o argumento era que o país tem coisas mais prementes sobre as quais se precisa saber as ideias e propostas dos fazedores de política, em detrimento da iniciativa que em nada iria levar, como se a política vivesse apenas dos assuntos macros. É um erro porque tudo é importante.

Nas democracias constitucionais, o limite da acção política deve ser a Constituição e as leis, razão pela qual todas as iniciativas, no quadro do jogo político democrático, respaldadas naqueles pressupostos nunca deviam ser minimizadas, ridicularizadas ou desconsideradas, sob pena de, com estes gestos, se contrariar a própria democracia e o rule of Law.

Em todo o caso, vale saudar a coragem política e abertura demonstrada pelo MPLA, partido no poder, que, ainda assim, se dignou “ir ao jogo”, fazendo jus às recomendações de John Stuart Mill, no famoso “Tratado Sobre a Liberdade” em que, entre outros pressupostos, defende que “quando alguém está a mentir, em vez de se lhe coarctar a expressão, é preciso deixar-lhe ir até ao fim”.

É verdade que a reunião plenária extraordinária da 1ª sessão legislativa da V Legislatura não correu, e provavelmente nem fosse expectável que corresse, bem na medida em que o pomo da discórdia girou em torno da modalidade de votação com vista à criação da comissão para dar tratamento à iniciativa da UNITA.

Esta alegava que o processo de votação devia ser precedido de uma resolução que, por sua vez, devia merecer, da parte da Comissão Permanente uma decisão favorável, segundo o deputado e jurista António Paulo que, em jeito de remate, foi citado pelo Jornal de Angola, a dizer que “o processo não funciona com base na interpretação que os deputados da UNITA fazem”.

O curioso é que, nesta empreitada, a bancada parlamentar da UNITA esteve sozinha, na medida em que os demais grupos da Casa das Leis, nomeadamente o Partido Humanista se juntou ao MPLA e o grupo misto PRS e FNLA absteve-se.

Em todo o caso, vale lembrar a elevação da UNITA, pela voz de Adalberto Costa Júnior quando apelou aos deputados do MPLA a promoverem, cada vez mais, a democracia, o processo autárquico e, tendo deixado claro, que o partido do Galo Negro vai continuar a desempenhar o seu papel.

Assim, ganha o jogo democrático que, depois das expectativas levantadas com a iniciativa de destituição do Presidente, com os debates que gerou e o desfecho na reunião plenária extraordinária da 1ª sessão legislativa da V Legislatura, ficou mais amadurecida.

Se houve imperfeições nas proposições, nas modalidades de discussão e noutros pressupostos do jogo político que envolveu tudo quanto se passou com a iniciativa da UNITA, de uma coisa nos podemos certificar: a democracia angolana ganhou.

Mais do que as razões, pertencentes a este ou aquele lado, precisamos de ganhar consciência de que, com o desfecho do caso, que “morreu” com a recusa da deliberação, estamos em presença de ganhos para todos os intervenientes.

Foi uma espécie de “jogo de soma não zero”, em que a eventual vitória de uma das partes não se traduz, necessariamente, na perda do outro contendor. Daí dizer que, no fundo, tudo o jogo democrático levou de vencida.

*Jornalista

OBS: O título é da inteira responsabilidade deste portal, o leitor pode consultar o original in JA.

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