É preciso repensar a disciplina de Educação Moral e Cívica – José Otchinhelo
É preciso repensar a disciplina de Educação Moral e Cívica - José Otchinhelo
EMC

O consumo exagerado de bebidas alcoólicas em, praticamente, todas as faixas etárias, o aumento da promiscuidade, casais sem responsabilidade parental, filhos gerados com objectivos financeiros ou conjugais, professores que aprovam alunos que “nada sabem”, abuso sexual de crianças e a profanação de cadáveres.

Podíamos enumerar muitos desvios comportamentais e crimes que fragilizam o nosso tecido social, mas estes e outros indicadores levam-nos a questionar o papel da disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC).

A cadeira de EMC entrou no currículo escolar com o propósito de reforçar as competências éticas, morais e de cidadania do indivíduo, baseadas nos valores sociais e culturais.

Dada a sua natureza, ela complementa-se tanto com a educação iniciada em casa, como – se for o caso – na Igreja. O foco é sempre formar, não só o homem, mas o cidadão que o país deseja, de acordo com o momento histórico de cada época.

Uma sociedade que se pauta pelos bons costumes e pela cidadania responsável tem mais chances de atingir a sã convivência, o respeito pelo outro e pelas instituições, a empatia e fazer juízos de valor, de forma equilibrada, com base na democracia e sempre com amor ao semelhante, mesmo quando este erra ou quando não concorda com certo posicionamento.

Mas, para se atingir esse desiderato, a educação é a palavra chave com vista à construção dessa mentalidade. Já diz um velho adágio, “ninguém dá o que não tem”. Logo, sem educar as novas gerações e reeducar os adultos, será o mesmo que colocar num campo de futebol 22 jogadores, uma bola, mas sem regras de jogo. Qualquer um já pode prever o estado físico e emocional com que sairão do jogo.

Ora, na vida social acontece o mesmo. Sem regras, instala-se o caos, cada um faz o que bem lhe apetece e abrem-se muitas feridas nas famílias, empresas e até nas igrejas, com consequências imprevisíveis.

Por isso, é preciso educar a sociedade a agir de acordo com a ética e moral públicas. É preciso ensinar às crianças os valores da honestidade, partilha, solidariedade, respeito pelo ambiente, amor à pátria e à cidadania, obediência às regras e – por que não – limites às liberdades e garantias.

Não se atinge uma consciência moral voltada para o bem sem educação. E a cadeira por excelência para fazer isso é a de Educação Moral e Cívica, sem descurar as outras homólogas.

Assim, com essas aulas, a pessoa pode desenvolver uma consciência moral que lhe permita distinguir o bem do mal e agir dentro dos padrões estabelecidos. Não nos referimos a um comportamento mecânico, robótico, adestrado ou, para sermos mais precisos, seguidista, não. Estamos a falar de um comportamento moral, que brota do âmago do indivíduo, que age sempre com a consciência limpa.

Qualquer um, ao olhar para a nossa realidade social, consegue perceber o quão as mentes estão poluídas. Os temas apresentados nos programas “Fala Angola” (da TV Zimbo) e “Ecos e Factos” (TPA) são só um exemplo das fracturas morais e éticas. Por isso, precisamos de repensar a cadeira de EMC.

Pela pertinência e complexidade dessa disciplina, não devia ser entregue a curiosos ou amadores, muito menos a supostos pastores ou professores não formados em EMC, só pelo simples facto de serem “bem-comportados”. A nobreza dessa cadeira exige que seja ministrada por um profissional formado na área, preparado pedagógica, psicológica, ética, moral e cientificamente.

Se fizermos um estudo sobre a formação dos professores que leccionam essa disciplina, facilmente concluiremos que a larga maioria é curiosa, pois é formada em outras áreas.

Isso acontece muito por culpa dos directores de escola, na sua maioria também sem formação em educação e que julgam a disciplina como fácil, achando, por isso, que qualquer indivíduo que tenha um certificado do II Ciclo ou um diploma universitário está em condições de leccionar uma cadeira tão sensível e exigente do ponto de vista científico, como é a de EMC.

Sem pretendermos ser fatalistas, digamos que o amadorismo torna esses professores em agentes da imoralidade, dúvida, negação e até da hostilização, não só dessa disciplina, como dos valores morais que ela defende e promove (como foi o caso do professor que, aqui em Luanda, na aula de sexualidade, mostrou vídeos pornográficos às crianças, atestando assim o tamanho da sua ignorância).

Como se não bastasse, ainda temos o problema dos tempos lectivos da EMC. Regra geral, é um tempo semanal, o que indica o pouco valor dado à mesma, quando comparada com as outras disciplinas. Mas, de que adianta ter um técnico sem moral?

Com poucos tempos lectivos, alguns professores ainda insistem, ao longo do ano lectivo, em leccionar os mesmos temas como a puberdade, sexualidade, reprodução humana e DTS, mesmo não estando no programa. Por quê têm apetência por esses temas?

Como já fizemos referência, o analfabetismo funcional nessa disciplina é preocupante! Quer queiramos, quer não, os altos índices de comportamento desviante da juventude, devem-se também a essa fragilidade da disciplina de EMC.

Portanto, olhando para a moral social, fica evidente que precisamos repensar quem deve leccionar essa cadeira, as metodologias, a avaliação dos alunos (se deve ser apenas cognitiva ou comportamental também), os recursos didácticos e a carga horária.

*Consultor de Comunicação e de Educação

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