Era dos Presidentes fardados em África: Uma análise pós-golpes de Estado – Osvaldo Mboco
Era dos Presidentes fardados em África: Uma análise pós-golpes de Estado - Osvaldo Mboco
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O continente africano tem sido palco de inúmeras transformações políticas. Entre estas, destaca-se a “Era dos Presidentes fardados em África”, marcada por uma série de golpes de Estado que resultam na ascensão de líderes militares ao poder.

Os últimos três anos em África ficaram marcados por golpes de Estado militares, que decorreram, maioritariamente na parte Ocidental do continente, que se transformou numa das sub-regiões de África mais instáveis, mais complexas e com muitas incertezas, devido aos vários acontecimentos políticos e de segurança, que tiveram implicações para o continente berço da humanidade.

A deterioração da segurança na região, devido às acções perpetradas pelos militares no Mali, que decorreu em 24 de Maio de 2021 com o derrube do Presidente Ibrahim Boubakar Keïta pelo coronel Assimi Goita, na Guiné-Conacry o Presidente Alpha Condé foi derrubado pelo coronel Mamady Doumbouya, a 5 de Setembro de 2021, e a 25 de Outubro do mesmo ano, no Sudão, os militares derrubaram o Governo de transição de civis depois da queda do Presidente Omar al-Bashir, que foi destituído em 2019, ou seja, no Sudão houve o “golpe dentro do golpe”. Hoje, o país encontra-se em disputa territorial entre os generais Al-Burhan e Mohamed Daglo.

No Burkina Faso, no dia 24 de Janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul-Henri Damiba derrubou o Presidente democraticamente eleito, Roch Marc, tendo sido, por sua vez, derrubado a 30 de Setembro do mesmo ano, pelo capitão Ibrahim Traoré, que assumiu a Presidência do Governo de transição até a data presente.

No Níger, foi derrubado o Presidente, igualmente democraticamente eleito, Mohamed Bazoum, no dia 26 de Julho de 2023, e a última alteração da ordem política e institucional ocorreu no Gabão, a 30 de Agosto de 2023, quando o general Oligui Nguema derrubou o seu primo, o presidente Ali Bongo Ondimba.

O golpe de Estado do Mali provocou o efeito dominó e teve influência no regresso dos golpes de Estado na região, devido à opacidade da Comunidade Internacional e das organizações regionais em dar resposta a esta situação, por um lado, e, por outro lado, por ser bem-sucedido, motivou os militares de outros Estados a seguirem a prática.

Seria uma ingenuidade intelectual pensar que muitos destes golpes de Estado não tiveram o patrocínio de figuras ligadas a terceiros Estados, embora não queiramos, com essa afirmação, usar o argumento da vitimização, de que tudo de mal que acontece aos africanos é culpa da mão invisível das grandes potências, mas sim, o realismo político leva-nos a essa conclusão, em função da legitimidade obtida pelos Presidentes que chegaram ao poder pela via não constitucional, mas recebidos com honras militares pelos Chefes de Estado que foram eleitos democraticamente e participam nas cimeiras internacionais.

Jean Michel Mabeko-Tali, Professor da Universidade de Washington, em declarações ao programa “Café da Manhã” da LAC, fez saber que o golpe realizado no Mali foi uma revolta popular contra a origem Francesa. “(…) Foi a rua que ditou a queda do antigo Governo. O Estado não levava em consideração o papel da rua, que literalmente impõe a nova Liderança (…)”, enfatizou. Ainda na esteira do pensamento do historiador, citado acima, os “(…) golpes de Estado em África não são motivados apenas pelo desejo do poder, mas motivados por uma revolta popular, contra a exploração ocidental, mas também, pela crise de liderança em África (…)”.

Os golpes de Estado não se constituíram num elemento determinante de mudança quer pela forma de governação, e quer pelo progresso social, económico e de segurança, pelo contrário, constituíram-se no retrocesso das liberdades e garantias fundamentais. Em muitos casos, os Presidentes fardados falham na promessa de transferir o poder aos civis.

É notável que estes Governos que chegaram ao poder pela via não constitucional não conseguiram pôr cobro ao terrorismo e ao clima de insegurança da região, muito menos alterar o “estado de coisas” que usaram como argumento para protagonizar o golpe. A militarização da política tende a minar as instituições democráticas e enfraquecer o Estado de Direito.

Muitos dos Governos contrataram empresas de mercenários para garantir a segurança e treino de tropas especiais dos Exércitos, em troca de exploração de minérios sem qualquer controlo das autoridades e esta perspectiva é perigosa na medida em que põe em causa a soberania do Estado, e o Governo se torna refém destes grupos que, a qualquer altura, podem colocar outra figura no poder.

A pergunta de um milhão de dólares que não quer se calar é a seguinte, qual será o próximo país em África a ser governado por um “Presidente fardado” que chega ao poder subvertendo a ordem constitucional pela via do golpe de estado militar?

*Professor de Relações Internacionais e mestre em Gestão e Governação Pública, na especialidade de Políticas Públicas

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