Os vícios de inconstitucionalidade do Projecto de Lei de Segurança Nacional – Mihaela Webba
Os vícios de inconstitucionalidade do Projecto de Lei de Segurança Nacional - Mihaela Webba
Mihaela Webba

Povo Soberano de Angola
Excelências,

A proposta de Lei de Segurança Nacional (LSN) não pode ser aprovada tal como se apresenta. Enferma de vícios de inconstitucionalidade e contém erros estruturais de concepção e de técnicas de legiferação. Há necessidade de se perceber melhor as motivações do proponente para se expurgar o que é inconstitucional, corrigir erros estruturais e rearrumar o documento.

Por outro lado, importa fazer um enquadramento político e histórico do que constitui e não constitui segurança nacional. Nas lutas pela independência, os nossos mais velhos foram absorvidos pelas ideologias e pelos interesses dos estrangeiros. Lutaram mais entre si do que contra os colonos, mataram-se uns aos outros, não aprenderam as tecnologias modernas de produção e de distribuição de riqueza e comprometeram o futuro.

Hoje não somos verdadeiramente independentes e muito menos soberanos, porque vivemos e governamos para assegurar mais os interesses das economias estrangeiras do que os nossos próprios interesses estratégicos, que se resumem na liberdade, na democracia, na paz e no alcance do nível de desenvolvimento humano que assegura a dignidade da pessoa humana.

Há duas filosofias ou escolas que alimentam os conceitos de segurança nacional: a escola do totalitarismo, fundamentalismo ou da estatização da vida social, seguida pela Coreia do Norte, Cuba, China, Rússia ou Irão; e a escola da liberdade, do estado laico, da democracia e do primado dos direitos e liberdades individuais do cidadão, seguida pela Finlândia, Cabo Verde, Estados Unidos, África do Sul e Portugal, só para citar estes exemplos.

Não se concebe a segurança nacional violando a Constituição; Não se concebe a segurança nacional para assegurar que o Presidente da República, por exemplo, garanta três ou quatro mandatos alterando a Constituição. Não se concebe a segurança nacional para assegurar objetivos pessoais ou de grupos. Não se transforma toda a Administração Pública em órgãos de segurança nacional. Não se criam artifícios sociais ou políticos só para criar estados de necessidade constitucional. Nem se criam orçamentos paralelos fantasmas nem regras orçamentais secretas em nome da segurança nacional. Segurança nacional não é nada disso. Leiam por favor o artigo 202.º da CRA.

Senhora Presidente,

Temos de ser francos, temos de nos assegurar primeiro como Nação o que constitui ou não constitui ameaça à segurança nacional. Queremos defender os interesses da colectividade, os interesses de todos, ou estamos a confundir com os interesses dos governantes?

Por exemplo, Angola está a exportar petróleo bruto, madeira, peixe e gás natural liquefeito para vários países e vai começar a exportar hidrogénio. Muito bem. Tudo isso sai do Soyo, para o benefício primário das economias europeia, americana ou chinesa. Em Angola as populações, donas desses recursos, sofrem ou morrem de pobreza extrema e tiram a comida do lixo para sobreviver.

Neste exemplo, defender a segurança nacional é garantir primeiro essas exportações, ou garantir o direito à segurança alimentar, o direito à dignidade dessas populações? Estamos a perpetuar a fome e a miséria das populações que querem se manifestar para se libertar da corrupção e do neocolonialismo a que são submetidas. Onde entra aqui a defesa da segurança nacional? Defender as exportações e as fugas de capital lá embutidas, ou defender a independência, e os direitos fundamentais dos cidadãos que protestam?

Excelências,

Considerando que cabe ao Presidente da República, definir políticas de Segurança Nacional e dirigir a sua execução tal como, determinar, orientar e decidir sobre as estratégias de actuação do sistema de Segurança Nacional e promover a fidelidade dos órgãos e instituições para o cumprimento em primeiro lugar da Constituição e posteriormente para a manutenção da estabilidade nacional por via da Segurança, levantar-se-ão algumas questões:

a) O princípio do apartidarismo no sector da Segurança Nacional não será atropelado caso o interesse do Comandante em Chefe das FAA estiver focado à segurança do partido devido ao imbróglio que se tem feito sobre “quem é quem? Ou seja, sobre quando é que o Presidente da República age como Chefe de Estado, como TPE, e aí é chefe dos seus auxiliares, como Comandante em chefe das FAA que devem ser obrigatoriamente apartidárias ou como presidente do partido político MPLA, e nestas vestes agindo com interesses político-partidários diferentes dos interesses nacionais?

b) No âmbito das competências e atribuições das FAA, enquanto Instituição da Segurança Nacional, quais liberdades e autonomia terão face ao partido cujo comandante em Chefe pertence, lidera e suporta o Executivo sob sua liderança?

c) A composição do órgão consultivo do PR para a matéria de Segurança Nacional conforme estruturado na alínea g) do n.º 2 do artigo 136.º da CRA, é confiável e segura?

d) Esta centralização de poder justificaria o carácter subversivo, arruaceiro e ameaçador que se tem atribuído ao exercício do direito de reunião e manifestação pacífica e sem armas?

e) Com a clarificação das competências do órgão directivo e consultivo, revela-se também os responsáveis pela repreensão ilegal, inconstitucional e atentatória da dignidade humana das manifestações sob fundamentos de segurança e ordem públicas?

Excelências,

A insegurança nacional em Angola tem causas:

  1. A violação sistemática da Constituição da República de Angola.
  2. A desigualdade económica e social.
  3. A marginalização como resultado de políticas públicas falhadas, desajustadas e de exclusão económico-social.
  4. A exclusão e discriminação político-partidárias.
  5. A militarização e partidarização com fortes influências no aparelho do Estado.

Tudo isso permite a existência de insegurança nacional, a existência de crimes violentos e organizados, a falta de preservação de um verdadeiro estado de direito, o incumprimento do princípio democrático e a violação sistemática e doentia do princípio da dignidade da pessoa humana do angolano.

Assim, a proposta de lei precisa de expurgar os elementos inconstitucionais que contém para se conformar de facto à Constituição.

A lei ordinária não pode conferir competências ao Presidente da República, não pode autorizar os serviços de segurança a violar o domicílio das pessoas nem privar as pessoas do acesso livre à circulação e às telecomunicações, porquanto, o exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos apenas pode ser limitado ou suspenso em caso de guerra, estado de sítio ou de estado de emergência.

Por outro lado, os órgãos que integram o sistema de segurança nacional, integram a Administração Pública, e, como tal, estão vinculados, entre outros, aos princípios da legalidade, da transparência e da prossecução do interesse público.

O interesse público que os órgãos da Administração Pública perseguem não deve ser o interesse do Partido/Estado, nem do Titular do Poder Executivo, mas sim o interesse da colectividade nacional, o interesse de todos os angolanos sem excepção.

Muito Obrigada.

*Deputada à Assembleia Nacional

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