Teleférico? Nem tanto ao mar, nem tanto a terra – Kumuenho da Rosa
Teleférico? Nem tanto ao mar, nem tanto a terra - Kumuenho da Rosa
Teleférico

Uma das notas que tomei ao ouvir as intervenções do ministro dos transportes durante o mais recente conselho consultivo do seu pelouro, foi precisamente o problema crónico em que se transformou a mobilidade urbana, mormente em Luanda, a maior e mais populosa das cidades angolanas.

Mais coisa, menos coisa, disse o ministro, que para se solucionar ou ao menos chegar-se perto da solução do problema, seria preciso mudar o chip. Pensar diferente. Mudar a forma de abordar, mas não só. Era preciso introduzir novas fórmulas, outros pensares, porque, de contrário, arriscamo-nos, todos, a falhar outra vez e perpetuarmos o problema.

De facto, é difícil de aceitar que sejamos tantos a olharem a viver os mesmos problemas, mas ninguém consiga apresentar uma solução, digna do nome. Já se viu, e isso o próprio ministro dos Transportes admitiu, não bastará renovar e aumentar a frota de transportes interurbanos. Ou seja, definitivamente, mais autocarros não resolve. A questão está na abordagem do problema. Há que mudar o mindset.

Ora, se olharmos apenas para a cronologia dos factos, podíamos a tomar as palavras iniciais do ministro dos Transportes como uma espécie de engodo. A fala do ministro levantando o problema, apontando um caminho, ao mesmo tempo que escancarava as portas para o teleférico, nas opções de mobilidade urbana em Luanda. Nada mais engenhoso.

Quando falamos de mobilidade urbana em Luanda, sobressai logo o número de veículos motorizados individuais que se concentram num sentido às manhãs e a meio da tarde no sentido inverso. No centro e arredores, algumas vias são historicamente problemáticas, em períodos já catalogados, mas nada que não se resolvesse com a conclusão e devolução de um sem número de ruas fechadas ao trafego rodoviário.

Mas Luanda não tem apenas desafios de mobilidade urbana. Tem outros, que não são nem poucos, muito menos simples de resolver. Daí que a solução proposta pelo Ministério dos Transportes, por mais bem-intencionada que possa ser, terá que ser, ela própria, repensada não só do ponto de vista da oportunidade, mas também da viabilidade.

Perdoem-me a franqueza, mas era absolutamente expectável que a notícia do teleférico urbano fizesse mais ruído que outra coisa. É que estava ainda demasiado fresco a polémica em torno do generoso pacote de financiamento para o reforço e modernização da frota de autocarros, pelo que não se recomendaria algo tão impactante, que mais do que demonstrar trabalho, só veio atrapalhar e criar uma nova polémica. A não ser que o objectivo de facto era constranger a acção governativa e ridicularizar o Executivo.

A verdade é uma só. O teleférico é de facto uma solução inovadora para problemas de mobilidade urbana, além de barata e amiga do ambiente, mas que, apesar desse reconhecimento, de todas essas vantagens, poucas cidades no mundo evoluído deram o passo seguinte.

Para ver um teleférico urbano em acção, precisamos de ir a La Paz, na Bolívia, ou a Caracas, Venezuela. É giro ouvir os testemunhos sobre vantagens desse meio de transporte público, mas precisamos antes perceber porque outras cidades do primeiro mundo não consideram essa ousada solução de mobilidade tão prioritária assim.

Cá entre nós, precisamos esgotar todas as soluções no que respeita aos desafios no segmento dos transportes públicos. Precisamos arrumar de vez a história do metro de superfície. Se é para avançar, que se diga em que estágio estamos. Se não, também o mundo não acaba. Haverá melhor oportunidade.

Parece-me, de certo modo, ilusório, apresentar o teleférico como uma espécie de remédio para todos os males da mobilidade urbana. É daquelas situações que o senso comum tende a questionar o critério e a forma como, entre nós, se definem as prioridades.

Que tal o meio termo? O teleférico pode sim servir ao turismo. Seria óptimo poder apreciar paisagens belas e únicas que temos em Angola. Como transporte urbano é outra coisa. Talvez demasiado à frente para a nossa realidade, porque apesar de assinaláveis avanços do ponto de vista da disponibilização de serviços, comparando com outras realidades africanas e mesmo do sul global, temos ainda desafios que nos obrigam a ter os pés no chão. Teleférico sim, mas… nem tanto ao céu, nem tanto à terra.

*Jornalista

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