Um protegido de Artur Queirós – Honorato Silva
Um protegido de Artur Queirós - Honorato Silva
Honorato Silva

Do nada o relógio ficou com menos horas. Os dias passaram a ser mais curtos e as tarefas infindáveis. Deixou de haver tempo para o treino madrugador das 4h30, em direcção à Estrada da Barra do Kwanza (EN100), na ânsia de ser olhado com algum respeito, no pelotão do ciclismo, tanto nas corridas como nas tiradas longas dos ACT, os Amadores do Cicloturismo, confraria de amigos transformada em potência do pedal em Angola.

Sem estar abraçado à ociosidade, seguia a rotina da Comissão da Carteira e Ética, a auto-regulação do Jornalismo em Angola, que se tenta luandizar, apesar do seu âmbito nacional. Apenas isso justifica a situação de penúria dos seus membros, sonhadores esperançados na chegada de melhores dias, na sacola do OGE, caso quem de direito se digne em aplicar os ditames da lei.

Mas jornalista é um ser especial. Pessoa treinada para encontrar soluções e nunca lamentar por dificuldades e obstáculos. Como os militares. Mesmo sem ovos, a CCE de Luísa Rogério esmera-se no cumprimento do seu papel de guardiã da ética e da deontologia da profissão, puxando pela pedagogia, antes de sinalizar a responsabilização disciplinar e, eventualmente, civil dos jornalistas.

A parte criminal, medida de “ultima ratio”, é ignorada de propósito, dado o acentuado pendor corporativista da instituição.

Agora começou a faltar até tempo para dormir. Pelo vício do trabalho que começa, mas ninguém está em condições de dizer, com certeza, a hora de terminar, daí ser um acto de puro arrojo, assumir compromissos sociais.

Nunca se sabe quando termina a edição, na azáfama de textos por melhor, de modo a ganharem o toque da correcção, e os documentos por despachar, face às atribuições administrativas do cargo, por estar director.

É assim que ao olhar para o retrovisor do tempo que não espera por ninguém, vejo no espelho da memória o sorriso doce, às vezes trocista, do branco barbudo de Uíge, Carmona à época da Província Ultramarina de Angola.

Um conflituoso de mão cheia, na imagem distorcida do primeiro contacto com esta máquina de trabalho. Artista do verbo, a quem as palavras suplicam humildemente por um agrado, na construção das frases e das proposições.

Num turbilhão de sentimentos, povoam-me a mente saudades do tempo em que o homem passava gingão pela nossa antiga Redacção, na Rainha Gonga, hoje transformada em espaço dos executivos da Edições Novembro.

O Barbas estava sempre ao lado das suas tropas, como um verdadeiro general. Parava, perguntava, tirava o repórter do computador e embelezava o texto, com a destreza de poucos no uso da língua.

No início parecíamos um casal com questões mal-resolvidas. Andávamos às turras, por tudo e por nada. Até que o tempo se encarregou de nos mostrar que estávamos do mesmo lado da barricada. Éramos ambos dependentes de trabalho.

Ele, já ancião bem formado na estrada da vida, eu, um senhor recém-chegado aos quarenta, também rezingão. Praguejei-o, quando me confinou à banca, em Janeiro de 2010, no CAN inédito exemplarmente organizado no país, no entanto mal-aproveitado, pois a nossa vaidade e soberba impediram-nos de cuidar dos estádios pomposos que construímos.

Ri-me dele, pela embrulhada com o nome de Abedi Pelé, antiga estrela do futebol africano, que viu um dos membros da prole legada à bola, rebaptizado na pena fina deste craque do texto, como filho de Mpelé.

Não saltei do barco, qual rato de porão em navio náufrago. Segui firme, até descobrir que aquela implicância era cumplicidade e protecção. Hoje sinto saudades tuas, meu grande Mestre Artur Queirós. Depois do Cândido Bessa, o teu outro protegido, eu, o mangonheiro, cheguei a director, como um dia previste. Só nos falta o Camana!

in Jornal de Angola

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