José Leitão, a queda de um empresário
José Leitão, a queda de um empresário
Grupo Gema

O presidente do Conselho de Administração do Grupo Gema, José Leitão da Costa e Silva, encontra-se supostamente internado em um lar de idosos em Lisboa, Portugal, depois de um dos filhos, Nuno Silva, ter “limpado” uma de suas contas bancárias, deixando-lhe apenas alguns cêntimos, como noticiou (vide aqui: PCA do grupo GEMA interna-se em lar de idosos – José Leitão diz estar falido) o Imparcial Press em Abril último.

O antigo director do gabinete do malogrado ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, é procurado pela justiça angolana, devido os processos (por crimes de falsificação, difamação e calúnia) movidos por um antigo testa-de-ferro, Pedro Januário Makamba, e pela antiga esposa, Maria Amélia Gonçalves.

Face a estas situações, José Leitão viu as contas bancárias de suas empresas bloqueadas pela justiça angolana, daí ter decidido se auto-internar em um lar de acolhimento em Portugal, onde recebe assistência médica devido ao seu estado de saúde.

Quem é Zé Leitão?

José Leitão da Costa e Silva, uma figura proeminente no cenário político e empresarial de Angola, é amplamente reconhecido como pioneiro na introdução do “capitalismo selvagem” no regime do MPLA. Desde meados dos anos 80, estabeleceu uma estreita colaboração com o antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, demonstrando um talento excepcional para os negócios em um momento em que muitos de seus colegas estavam inativos.

Nascido em Janeiro de 1955, em Golungo-Alto, Zé Leitão cresceu numa família que valorizava a educação. Após frequentar o Liceu Salvador Correia em Luanda, mudou-se para Portugal, onde se formou em direito pela Universidade de Lisboa.

Apesar das advertências do seu pai, ingressou no MPLA a sua estadia em Portugal, juntou-se com outros jovens militantes nomeadamente: Elisiário dos Passos Vieira Lopes, José Carlos de Carvalho, João Lourenço Landoite, Zuzarte Mendonça “Tilú” e Cavaleiro.

O grupo recusou-se a participar da conferência inter-regional do MPLA em Setembro de 1974, alegando que o evento deveria ser reservado para aqueles que haviam se destacado no combate no interior do país. Antes de regressar a Angola, Leitão e os seus amigos fizeram um juramento de utilizar as suas profissões para servir o povo, concentrando-se nas províncias, em detrimento de ambições políticas.

A decisão do grupo coincidiu com a necessidade de quadros por parte de Lúcio Lara, que viu nos seis jovens uma “componente de humildade” e convenceu-os a permanecer em Luanda.

Em círculos bem informados, Zé Leitão foi identificado como o primeiro do grupo a quebrar o juramento de servir o povo no interior, ao ingressar nas estruturas do governo como director do gabinete do então ministro da Informação. Rapidamente, passou a integrar os quadros da EPTEL (Empresa Pública de Telecomunicações do Estado) como director adjunto, cargo que ocupou até 1981.

Dos amigos da “Casa de Angola”, Zé Leitão é o único sobrevivente até hoje. Elisiário dos Passos Vieira Lopes formou-se em medicina, cumpriu a sua promessa e morreu no Moxico, onde estava a trabalhar; Cavaleiro faleceu durante o “27 de Maio” e também serviu na primeira região militar, cumprindo a sua promessa; Zuzarte Mendonça “Tilú” morreu igualmente após os acontecimentos do “27 de Maio”; José Carlos de Carvalho foi mais tarde convidado para ser Governador do BNA e depois responsável pela Sonangol, falecendo de cancro em Londres; João Lourenço Landoite tornou-se o quarto ministro dos Petróleos após a independência nacional, falecendo alguns anos atrás.

“Zé” Leitão tinha o atributo de ser um quadro qualificado, com formação superior. A sua ascensão ao poder culminou com a sua chegada ao círculo presidencial. José Eduardo dos Santos simpatizou-se com ele e, em Abril de 1983, nomeou-o em comissão de serviço para exercer o cargo de Secretário do Presidente para Assuntos Jurídicos. No ano seguinte, tornou-se seu director adjunto de Gabinete, cargo que ocupou por quatro anos.

Em Dezembro de 1988, um dia antes do Natal, José Eduardo dos Santos nomeou-o Secretário do Conselho de Ministros, com a categoria de ministro. Nessa posição, ele demonstrou o seu poder de influência, controlando a agenda de aprovação de investimentos do Executivo.

Ele também ficou conhecido pela sua actuação no clero em Angola, pois, enquanto Secretário do Conselho de Ministros, liderou o processo de devolução à Igreja Católica do imóvel que abrigava a Rádio Ecléssia (no distrito urbano de Sambizanga) e outros bens que haviam sido nacionalizados pelo Estado angolano logo após a independência nacional.

Quatro anos após liderar o Conselho de Ministros, José Leitão foi exonerado por José Eduardo dos Santos e nomeado diretor do seu gabinete, com a categoria de Ministro junto à Presidência da República.

O antigo Presidente também o cooptou como membro do Bureau Político do MPLA e escolheu-o como seu mandatário nas primeiras eleições multipartidárias realizadas em Angola. Com o recrudescimento do conflito armado, o Estado angolano utilizou-o para comprar armas e enfrentar a UNITA, que enfrentava um embargo na compra de armas na época.

Foram transferidos para a sua conta duas transações, totalizando 350 mil dólares, em seu favor, numa conta no Banco Comercial Português em Lisboa, a 28 de Dezembro de 1993, por intermédio da sociedade de Pierre Falcone, a Brenco Trading Limited (BTL), tornando-se a principal figura angolana a beneficiar-se de grande parte das “retro-comissões” que deram origem ao “Angolagate”.

A 21 de Fevereiro de 1996, mais 600 mil dólares foram depositados em sua conta. Cinco meses depois, a BTL depositou mais 1,9 milhões de dólares em seu favor; dois milhões em favor de sua esposa, Maria do Carmo da Fonseca; e 1,2 milhões em favor de um parente, Alexandre Muno.

Com o fim do sistema de partido único, José Leitão foi uma das primeiras figuras do regime do MPLA a experimentar os benefícios do novo sistema económico no país. Em 16 de Março de 1994, fundou o grupo empresarial GEMA (Sociedade de Gestão e Participações Financeiras), tendo como sócios: Carlos Maria Feijó, Domingos Pitra Neto, Generoso de Almeida, entre outros.

Ele separou o exercício das funções governamentais dos seus interesses empresariais. Manteve-se discreto quanto à paternidade do Grupo GEMA, nomeando um trabalhador da sede do MPLA, recém-retornado de Cuba, Francisco Simão Júnior, como gestor.

José Leitão era, depois de José Eduardo dos Santos, a figura mais influente do país, exercendo um poder equiparado a um “Vice-Presidente da República”. Na véspera do congresso de 2003 do MPLA, ficou descontente com a forma como uma comissão de renovação de mandatos do partido o avaliou. Sentindo-se desamparado pelo Presidente, percebeu que os “miúdos do Futungo” que ele havia apoiado na ascensão haviam traído sua confiança.

Diante da “conspiração”, percebeu que não havia mais ambiente para permanecer no círculo presidencial. Pediu demissão do partido e do cargo de Diretor de Gabinete do Presidente. Dez dias após o congresso do MPLA, José Eduardo dos Santos assinou o decreto de sua exoneração. Concentrou-se nas actividades empresariais e assumiu a presidência do Grupo Gema, que fundou enquanto integrava o executivo.

Mesmo estando fora do poder, José Leitão conservou seu prestígio e respeitabilidade. O MPLA ainda o convida(va) para actividades como conferências e congressos (ele aceitou participar como convidado na conferência nacional antes das eleições).

Ele viajava usando a Sala de Protocolo de Estado do aeroporto 4 de Fevereiro. Membros do regime o saúdam com grande consideração quando o veem.

Uma das figuras próximas ao ex-Presidente que o estimava muito é Elísio de Figueiredo, que trabalhou para reconciliar José Leitão e José Eduardo dos Santos, embora Leitão tenha optado por não comparecer a um segundo encontro e mantido sua distância do ex-Presidente desde então.

Depois de Lopo de Nascimento, José Leitão é a segunda figura que, mesmo estando fora do poder, mantém prestígio no regime. Seu grupo empresarial tornou-se um dos mais importantes interesses empresariais privados do país, atuando fora do sector petrolífero, com uma carteira de negócios que chega a dois biliões de dólares.

O grupo GEMA entrou em parceria e investiu cerca de 640 milhões de dólares no projecto Comandante Jika, em Luanda. Possui 40% do capital da sociedade de capital que investiu cerca de 420 milhões de dólares na construção da fábrica de cimento “Palanca Cimento” na zona norte do Lobito.

Ele também tinha exclusividade nas oportunidades de investimento em Malanje e planejava identificar oportunidades de investimento nos sectores de água e energia, construção civil, reabilitação de estradas, pontes e venda de materiais de construção na província do Uíge, após um convite do ex-governador provincial Paulo Pombolo.

José Leitão da Costa e Silva também faz parte do grupo de 15 accionistas angolanos que detêm 30% do Finibanco Angola, SA, onde actuava como administrador. No entanto, em finais de Maio de 2009, o BNA recusou um pedido seu de isenção fiscal em favor do Finibanco.

O Ministério das Finanças informou que precisariam da apreciação técnica do BNA antes de autorizarem o pedido. Ironicamente, o responsável pela área fiscal do BNA que “bloqueou” a aplicação do Finibanco é um parente de Leitão. O Finibanco é o único banco em Angola sem direito a isenção fiscal.

Desde que deixou a vida política, José Leitão passou a dedicar mais atenção aos membros de sua família, consultando-os quando precisa tomar decisões importantes. Ele tira férias, organiza caravanas familiares e os leva para viajar para o exterior. Ele tem prestado atenção especial aos membros mais jovens da família e, em algumas ocasiões, solicita que lhe apresentem projectos para apoiar.

Ele ajudou um sobrinho, Mortalah Mohammed “Dog Murras”, a lançar uma loja e uma marca de perfume no mercado. Ele também tem ajudado novos empresários, patrocinando o lançamento de uma marca de bonecas no mercado angolano, entre outros empreendimentos.

O seu actual algoz Pedro Januário Macamba era um de seus principais colaboradores nos negócios. Apoiou dois jovens, Rui Cayate e Njazi Feíjo Neto, confiando-lhes o Gabinete de Petróleo da GemStar, subsidiária do Grupo Gema.

No trato pessoal, é descrito como “muito decidido”, especialmente ao disciplinar pessoas que o traem ou abusam de sua amizade. Ele é muito directo ao expressar suas opiniões e, nos negócios do grupo, é ele quem assume a liderança.

No ambiente familiar, é aconselhado a ser mais flexível. Ele aprendeu a não confiar em ninguém e, mesmo em viagens ao exterior, viaja com mais de quatro guarda-costas. Ele se preocupa muito com sua aparência e imagem e, embora já tenha apreciado charutos cubanos.

Participação no processo Angolagate

José Leitão da Costa e Silva foi o único a beneficiar (através do Grupo GEMA) de um empréstimo da linha de crédito da China de 500 milhões de dólares, e possuía uma fortuna de mais de 3.5 mil milhões de dólares.

Relembre-se igualmente que a investigação em França ao caso Angolagate, sobre o tráfico de armas da ex-União Soviética para Angola/MPLA, indicou que grande parte das comissões destes negócios foi recebida por dirigentes angolanos, referiu em 2005 o jornal “Le Monde”.

O processo Angolagate, conduzida pelo juiz Pierre Courroye, envolveu o empresário francês Pierre Falcone, Jean-Christophe Mitterrand, filho do ex-Presidente francês Francois Mitterrand, o ex-ministro do Interior francês Charles Pasqua, além do empresário russo Arcadi Gaydamak.

Segundo o jornal francês, a brigada financeira efectuou uma minuciosa cronologia do processo de venda de armas a Angola/MPLA, não autorizada pelo Governo francês, entre 1993 e 1994, no valor de 600 milhões de dólares.

Entre as várias transacções constantes no processo estão dois depósitos, no valor de 350.000 dólares, efectuados por Falcone a 28 de Dezembro de 1993, através da empresa que dirigia, a Brenco, no Banco Comercial Português, em Lisboa, em nome de José Leitão da Costa e Silva, então secretário do Conselho de Ministros angolano.

De acordo com a mesma fonte, a 23 de Março de 2005 foram depositados, no mesmo banco e provenientes da mesma fonte, 1,7 milhões de dólares, numa conta de Fernando Araújo, então conselheiro do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

A 21 de Fevereiro de 1996, a Brenco depositou dois milhões de dólares numa conta aberta num banco austríaco, em nome de Elísio Figueiredo, embaixador itinerante da República de Angola.

Segundo o processo, acrescentava o “Le Monde”, no mesmo dia José Leitão recebe mais um depósito de 600.000 dólares.

Os investigadores dão ainda conta de outros depósitos efectuados a 2 de Julho de 1996: Sete milhões de dólares para Elísio Figueiredo, 1,9 milhões de dólares para José Leitão, dois milhões de dólares a favor de Maria do Carmo da Fonseca (ex-mulher de José Leitão) e 1,2 milhões de dólares para Alexandre Nuno (parente de José Leitão).

No processo, os investigadores citam uma testemunha do processo, Jean-Bernard Curial, encarregado dos assuntos relativos à África Austral no Partido Socialista francês nos anos 1980, que garantiu que Falcone e Gaydamak conseguiram comissões no valor de 300 milhões de dólares, acrescentando que parte deste dinheiro reverteu a favor de dirigentes angolanos.

Esta testemunha refere que deu “pessoalmente” a Elísio de Figueiredo duas remessas em dinheiro, no valor de 200.000 francos, que entregou directamente na sua casa de Paris.

O juiz referiu também no processo haver indícios de que Falcone abriu, em 1998, contas em nome de três empresas sob jurisdição panamiana (Dramal, Camparal e Tutoral) no Banco Internacional do Luxemburgo, tendo as verificações bancárias revelado que os “beneficiários económicos” destas contas eram, entre outros, o próprio Falcone, Elísio Figueiredo e José Eduardo dos Santos.

Após este caso, a justiça suíça começou a investigar o pagamento da dívida de Angola à Rússia entre 1996 e 2000, operação conduzida por Falcone e por Gaydamak e que terá gerado comissões no valor de 614 milhões de dólares.

O juiz suíço Daniel Devaud acusou Falcone de “branqueamento de dinheiro, apoio a uma organização criminosa e corrupção de agentes públicos estrangeiros”.

Falcone foi acusado de pertencer com Gaydamak, José Eduardo dos Santos, Elísio Figueiredo e Joaquim David (ex-ministro da Indústria) a uma “organização secreta que operava entre Genebra, Moscovo e Luanda com o objectivo de obter receitas ilícitas por meios criminais, tais como a corrupção e a gestão desleal dos interesses públicos”.

Dissolução do Grupo GEMA

Em Dezembro de 2020, o então presidente do Grupo Gema convocou, em Luanda, todos os accionistas da sociedade para uma Assembleia Geral Extraordinária que teve como ponto principal a dissolução deste grupo empresarial angolano.

Fez igualmente parte dos pontos em discussão, a aprovação das constas e do balanço do exercício final, reportados á data da dissolução, tal como também a designação de depositários dos livros, documentos e demais elementos de escrituração da sociedade.

Para além de António Pitra Neto, ex-ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, Carlos Feijó, ex-secretário do Conselho de Ministros à data da fundação do grupo; António Gomes Furtado ex-governador do Banco Nacional de Angola (BNA), e Joaquim Carlos dos Reis Júnior, que já exerceu as funções de secretário do Conselho de Ministros e deputado do MPLA.

Em Agosto de 2018, o presidente do conselho de administração do grupo, José Leitão, revelou em exclusivo ao Jornal angolano “VALOR” que o grupo encontrava-se numa “situação de quase falência técnica, devido à situação económica e financeira que persiste no país”.

O Grupo Gema, Sociedade de Gestão e Participações Financeiras, encontrava-se numa “situação de quase falência técnica, devido à situação económica e financeira que persiste no país”.

Para ilustrar o momento difícil com que se defronta a empresa, José Leitão revelou que o grupo Gema arrasta uma dívida avaliada em 30 milhões de dólares para com a sociedade que detém o empreendimento ‘Comandante Gika’, em Luanda, situação resultante da falta de reforços de capital dos accionistas do grupo.

com/Club-K

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